domingo, 24 de maio de 2009

Anjos e Demônios


Anjos e Demônios

Angels & Demons
EUA, 2009 - 138 min
Suspense
Direção: Ron Howard
Roteiro: David Koepp, Akiva Goldsman, Dan Brown (livro)
Elenco: Tom Hanks, Ewan McGregor, Ayelet Zurer, Stellan Skarsgård, Nikolaj Lie Kaas, Pierfrancesco Favino

Temos aqui mais uma daquelas adaptações de best-sellers para o cinema. Esse tipo de filme tem sido uma constante nos últimos anos, pois tem retorno quase certo. Porém, tão certo quanto o lucro é a insatisfação dos fãs. Sejamos francos: filmes desse tipo nunca vão agradar plenamente os fãs da obra original. São duas mídias diferentes, com maneiras diferentes de se contar a história. Um escritor conta sua história em 400, 500 páginas. O diretor de cinema tem 2 horas, quando muito 2 horas e meia para contar a mesma história. Não se pode exigir a mesma qualidade de ambos. Daí porque não cabe comparar os dois visando saber qual é melhor. A comparação é cabível para se constatar em que parte o filme poderia ter sido mais fiel ao livro e, assim, ter sido melhor, ou, ao contrário, em que momento o filme inovou e obteve resultado melhor que o livro. Aí sim a comparação tem um propósito enriquecedor. Não há um melhor e um pior, há o original e a adaptação.
Anjos e Demônios é a segunda adaptação de obras do polêmico escritor norte-americano Dan Brown. A primeira foi de O Código Da Vinci, livro de estrondoso sucesso, mas um filme bem morno. Ron Howard, que dirigiu o primeiro, está de volta neste. O diretor, vencedor do Oscar de Melhor Diretor em 2002 por Uma Mente Brilhante, concorreu ao mesmo prêmio esse ano por Frost/Nixon. Entretanto, ele também ganhou o prêmio (nada louvável) de Pior Diretor, justamente pel'O Código Da Vinci, no Framboesa de Ouro de 2007. O filme mostra mais uma aventura do professor de simbologia religiosa Robert Langdon (Tom Hanks). Dessa vez, ele é chamado para desvendar um misterioso assassinato e o roubo de uma nova tecnologia, a antimatéria, que extremamente perigosa. Esses crimes foram assumidos por uma antiga sociedade secreta, os Illuminatti, que afirmam ter ressurgido para se vingar da Igreja Católica pelos crimes que ela cometeu no passado.
A história toda tem como temática maior a dicotomia clássica entre ciência e religião. De um lado os religiosos, conservadores em seus dogmas. De outro os cientistas, inovadores em suas descobertas. E no meio estão aqueles que tentam unir os dois pólos, buscar um denominador comum entre eles. Esses despertam a ira de ambos. Com essa questão toda, Dan Brown não perde a oportunidade de dar uma boa cutucada na Igreja Católica. E parece que funcionou, pois antes mesmo do lançamento do filme, este foi condenado pelo Vaticano. Até mesmo um boicote à produção foi sugerido pela Santa Sé.
Vamos fazer, então, aquela tal comparação enriquecedora a que nos referimos no início. Devemos concordar que mudanças que não tragam relevante prejuízo ao filme são válidas desde que proporcionem benefícios, como fluidez da história. Entretanto, o que observa-se em Anjos e Demônios é uma sequência de mudanças simplesmente inúteis. É o mudar por mudar. Isso ocorre, por exemplo, com relação aos nomes de alguns personagens. Por exemplo, o nome do camerlengo (Ewan McGregor) é transformado de Carlo Ventresca para Patrick McKenna, e o cardeal Mortati vira cardeal Strauss (Armin Mueller-Stahl). Muitos podem argumentar: mas isso não altera em nada a história. Concordo, mas para quê mudar? Isso só prejudica o filme, pois perde identidade com o livro. Se houver uma razão que eu desconheça para tais mudanças, como evitar atritos com a Igreja, a alteração é louvável. Se não, é tola. Há também outras alterações que influem profundamente no roteiro, mas que aparentemente não trazem benefícios, ou ao menos estes são insignificantes. Isso acontece, por exemplo, com relação à Vittoria Vetra (Ayelet Zurer), que no livro é filha do pesquisador assassinado, Leonardo Vetra. No longa, não há nenhuma relação de parentesco entre os dois, e até o nome do pesquisador é alterado, passando a se chamar Silvano. Além disso, Leonardo Vetra era padre, o que permitiu a Dan Brown estabelecer aí o grande contraponto entre ciência e religião. Com isso, a história perde muito do seu teor dramático, e a personagem Vittoria fica muito reduzida em importância, pois no livro ela é bem mais atuante, agressiva, passional, já que era seu pai que havia sido assassinado. Chegaram ao cúmulo de simplesmente excluir um importante personagem, Maximilian Kohler, o diretor do CERN, o centro de pesquisas onde estava guardada a antimatéria. Essas são apenas algumas entre outras tantas (algumas mais detestáveis e inúteis) alterações no filme.
Eu já bati, agora chegou a hora de assoprar um pouco. Mas só um pouco. Digo isso porque percebi que há uma estratégia no roteiro. Ele busca dar mais agilidade em algumas partes do filme (aí entram todas aquelas mudanças) para poder gastar mais tempo em outras. No caso, abriram mão de certas questões científicas (não exploraram o CERN e a antimatéria como deveriam), históricas (a origem dos Illuminatti) e até mesmo referentes aos perfis dos personagens, para caprichar nas cenas de ação extrema e mistério, que muitas vezes são as responsáveis por levar as pessoas ao cinema. Assim, temos um início confuso, em que tudo vai passando sem que seja muito bem explicado. É bem frustrante, principalmente para quem leu o livro. Então, quando você já não espera nada mais do filme, surge uma parte bem mais envolvente e muito fiel ao livro. O curioso é que esse meio é teoricamente a parte mais difícil de ser posta na tela, pois há muito a ser explicado, ao mesmo tempo em que tudo acontece muito rápido. Mas muito pouco escapou ao filme nesse ponto, foi realmente muito perto do ideal. Aí surge um final que eu classifico como mediano, talvez menos que isso. Novamente muita coisa é deixada para trás, deixando o espectador meio perdido, e as mudanças bobas voltam a aparecer logo nesse momento crucial, no fechamento.
Quanto ao elenco, a fórmula de utilizar dois nomes fortes é repetida (em O Código Da Vinci, Tom Hanks e Ian McKellen eram os nomes). Tom Hanks volta como protagonista do filme. Não há muito o que dizer sobre ele. É um excelente ator e se encaixa muito bem no papel. Aparentemente, o personagem Robert Langdon não exige muito do ator. No máximo, ele tem que demonstrar naturalidade ao falar sobre todas aquelas conspirações e usar aquela linguagem acadêmica. Tom Hanks já fez coisa bem mais difícil, vide Forrest Gump. O outro nome de peso é Ewan McGregor, que interpreta o camerlengo. Na minha opinião, uma boa escolha. Ele consegue dar ao personagem a calma de um jovem e devotado padre. Entretanto, o personagem foi bastante prejudicado pelo modo como a história correu, perdendo boa parte de sua dramaticidade devido a supressões no enredo, o que transparece para o espectador como uma atuação meio sem sal.
A parte técnica do filme merece elogios. Ela foi muito mais exigida do que em O Código Da Vinci, e correspondeu. Fotografia e efeitos visuais são bons. O figurino foi um dos pontos mais exigidos, pois tiveram que fazer roupas para o papa, cardeais, guarda suíça, todas muito características e idênticas às originais. Mas o que merece destaque são os cenários, a ambientação do filme. E olhe que isso deu muito trabalho. Não puderam contar com os cenário originais do Vaticano (por motivos óbvios), nem mesmo nas Igrejas, e a autorização para filmagem nas ruas de Roma foi tão limitada que o diretor Ron Howard usou o que ele chama de técnica de guerrilha: ataques rápidos e sem falhas.
Anjos e Demônios é mais uma tentativa falha de adaptar um best-seller para o cinema. Não porque o livro é pior que o filme, pois isso é dificilmente reversível, mas sim porque o filme comete erros tolos com relação à sequência de enredo. O mínimo que se espera de um filme, adaptação ou não, é que ele faça sentido em si mesmo, que não se precise recorrer a outras fontes para entender acontecimentos que fazem parte da base do enredo. Isso não ocorre no filme de Ron Howard, pois deixa diversas lacunas sem preenchimento. Ele sacrificou o início para fazer um bom meio, mas não conseguiu arrematar no fim.

 
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